terça-feira, 15 de maio de 2012

nervos de palha-(de)-aço


Em um capítulo do Verdade Tropical, o “Antropofagia”, lançado em separado recentemente pela Penguin-Companhia das Letras, Caetano Veloso conta nos primeiros parágrafos como a relação com os poetas concretos, mais acintosamente nas premissas regidas pelo oswaldianismo, ajudou a definir direções para a Tropicália; em meandros, ele também faz uma diferenciação daquele grupo de intelectuais em relação ao restante dos proeminentes brasileiros com quem Caê passou a conviver nas andanças e moradas por Rio e São Paulo. Destaca, entre outras filosofias e protagonismos, a paixão que Augusto de Campos passou a cultivar por Lupicínio Rodrigues. Augusto, com características pomposas de seu próprio nome, chegou a declarar que o sambista usava o “explosivo do óbvio, da vulgaridade e do lugar comum, atacando de mãos nuas, com todos os clichês da nossa língua, e chegando ao insólito pelo repelido, à informação nova pela redundância, deslocada do seu contexto”. Caetano destaca a canção “Vingança”, onde Lupicínio está realmente bem próximo do sublime para Augusto, o seu mais puro e tenro deleite. No entanto, mais ou menos 15 anos depois de ser escrita, a canção cujos versos diziam
Eu não quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança
Aos santos clamar
Ela há de rolar como as pedras
Que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
Pra poder descansar
se tornaria emblemática para a história de um outro genial compositor: eis a curiosa comparação que Caetano faz a Bob Dylan e sua poesia, concreta pelo peso da realidade, em “Like a rolling stone”. Em resumo, as duas obras, cada qual mais chegado a sua herança de canção urbana, tratam do sujeito em igual situação de desolação, um perdido sem destino, sem saber o rumo de casa.

Reza uma famosa lenda no Rio Grande do Sul que quando Dylan se apresentou no Hollywood Rock, em 1990, foi lhe mostrada a letra de Lupicínio, somada da informação de que aquele homem (negro à exceção, visto que os negros eram, e até certo ponto são, majoritariamente concentrados na torcida do Inter) era também o compositor do hino do Grêmio, cujo verso “até a pé nós iremos” poderia até ser interpretado como uma genial construção anti-industrialização; ou seja, qualquer coisa incomum e popular que Dylan provavelmente simpatizasse. Existem relatos de gremistas que juram ter visto o folkista com a camisa tricolor assistindo a um jogo da arquibancada no antigo estádio do Grêmio, informação esta sem confirmação. Em muitos lugares­ Bob Dylan aparece como “gremista ilustre”, essa palhaçada de torcedor midiático que parece carente por celebridades declarando que gosta de futebol.

Fagner, cearense para o que der e vier
Tanto que, nesses mesmos halls dos honrados, raramente também aparece o nome do autor do hino, este homem que sofreu por todos os outros. Vemos Gisele Bündchen, Fernanda Lima, Raimundo Fagner (!)... e, claro, Bob Dylan. Ah esses moços, pobres moços... Caetano poderia ter dito que Lupicínio convertera Bob Dylan para o lado araçá azul da força; no entanto o baiano não entrou em detalhes que fugissem do seu objetivo: trazer a superfície o "explosivo óbvio" de suas elucubrações, e não a temível "informação nova pela redundância" que a tudo circunda o futebol: esta cultura augusta, por ser ao mesmo tempo a pior dor de cotovelo e a mais elaborada realização do homem versus mundo.

BONUS TRACK:
Muito bom o texto, execeto pelo Fagner, que pra mim e pro Bob Dylan também (eu garanto), tem muito mais a ver com o Dylan do que o Caetano, que não é gremista, é, ao contrário, Fluminense, um time que não vai se quer sem plano de saúde, que dirá a pé 
(João Martins)

Um comentário:

  1. Mais visse? Fagner tem uns 359 times. Diz ser fortaleza, diz ser fluminense, grêmio, até Santa Cruz. Na verdade queria ser santos. Não é isso que ele canta? Quem me dera ser um peixe? Brincadeira, nego. Bem massa o blog!

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